



UM RELATO EM QUADRINHOS DO MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL



UM RELATO EM QUADRINHOS DO MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL
CORES: MARIANE GUSMÃO
UM RELATO EM QUADRINHOS DO MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL
CORES: MARIANE GUSMÃO
Há livros que nascem de ideias. Outros, de urgências. Doce amargo nasce de uma dor vivida, uma ferida aberta na terra, no rio, nas pessoas. Mais do que uma obra sobre o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, este livro é uma travessia afetiva, política e ambiental. Uma travessia narrada por quem carrega a lama na memória, nos olhos, na pele e nas palavras.
O rompimento da barragem, em 5 de novembro de 2015, foi mais do que um desastre ambiental. Foi um trauma coletivo, um marco de silenciamento institucional e de persistente impunidade. As ondas de rejeitos de minério devastaram o distrito de Bento Rodrigues, ceifaram vidas, soterraram histórias e transformaram radicalmente o curso do Rio Doce e de milhares de existências ao longo de sua bacia. Não se trata apenas de um acidente. Trata-se de uma tragédia que inaugurou um novo ciclo de violências: a lenta destruição cotidiana, a negação da dor e a mercantilização da reparação.
João não precisou criar um personagem. Ele já era parte da história. Testemunha e sobrevivente, pai, marido, filho, cidadão. Sua resposta ao desastre foi desenhar, transformar a tragédia em traço e o trauma em narrativa gráfica. Como se o quadrinho, esse território entre o silêncio e a fala, pudesse finalmente dar conta do que tantas vezes foi negado, ignorado ou distorcido.
Mas Doce amargo não nasce só da mão do artista. Ele nasce do encontro, da escuta e do amor que resiste. De uma filha que, ao olhar o rio ferido, batiza com firmeza: “Não é mais Doce. É Rio Amargo”. Nasce da compaixão e da coragem da companheira, do olhar crítico do filho e de uma família que não se deixou enterrar pela lama. Este livro é também deles. Um gesto coletivo de resistência e reinvenção.
A linguagem dos quadrinhos se torna aqui uma ferramenta de reconfiguração da memória e da justiça. Inovador em sua forma e corajoso em seu conteúdo, Doce amargo rompe com a narrativa oficial e propõe uma outra forma de contar: mais sensível, mais honesta, mais humana. Não há heróis idealizados. Há gente. Há dor. Há dignidade.
João, com suas linhas e sussurros, inaugura uma maneira de narrar o inenarrável. E, ao fazê-lo, não apenas registra uma memória: ele nos convoca. A lembrar. A sentir. A agir. A exigir.
Chegar a este livro, às vésperas dos 10 anos da tragédia, é um ato de revisita e de ruptura. Como escrevi em minha tese: “Não se trata de contabilizar perdas ou medir impactos, mas de compreender os sentidos da destruição e os projetos de mundo que ela arrasta consigo”. Doce amargo é um desses sentidos insurgentes: um lembrete de que a memória pode ser ferramenta de luto, mas também de luta.
Que este livro circule como o rio deveria circular: livre, profundo e cheio de força. Que toque quem lê, como tocou quem viveu. Que seja leitura, mas também denúncia. Que seja arte, mas também testemunho.
Doutor em Ciências Humanas (UFSC) e professor na Universidade Vale do Rio Doce (Univale), coordena o curso de Engenharia Civil e Ambiental e o Laboratório Cidadão de Ecologia do Adoecimento e Saúde dos Territórios (LEAS). Atua no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Suaçuí e integra o Instituto de Pesquisas em Riscos e Sustentabilidade (IRIS/UFSC), sempre na interseção entre o conhecimento, o território e a justiça socioambiental.
As barragens de rejeitos têm a função de armazenar os resíduos sólidos e a água resultantes do processo de beneficiamento do minério de ferro, matéria-prima essencial para a fabricação do aço e base de indústrias como a automobilística, de eletrodomésticos e da construção civil.
O rejeito de mineração é o material que sobra após a separação do minério de ferro das frações de pouco valor comercial, feita com o uso de grandes volumes de água. É o método mais barato de beneficiamento. Em geral, esse rejeito é uma mistura de areia, minérios de baixa concentração de ferro e água, o que lhe confere o aspecto de lama. Já existem processos mais modernos que dispensam o uso de água.
O minério de ferro, de coloração cinza, apresenta traços avermelhados devido à presença de óxidos de ferro, como a hematita. Quando entra em contato com a água, oxida e adquire a aparência de ferrugem, dando ao rejeito sua cor característica, entre o vermelho e o marrom.
A barragem de Fundão, localizada em Mariana (MG) e pertencente à Samarco, armazenava cerca de 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos, o equivalente a 21 mil piscinas olímpicas. Ela foi construída pelo método de alteamento a montante, em que a barragem é elevada progressivamente com camadas do próprio rejeito sobre o dique principal.
Embora seja o método mais simples e barato, também é considerado o menos seguro, com maior propensão a acidentes.
o caminhão-pipa deve vir hoje no final da tarde para abastecer a nossa caixa d’água...
governador valadares, minas gerais.
depois de passar o dia todo tentando...
...finalmente consegui falar com a empresa de água da cidade.
já faz três dias que estamos sem água. um período de estiagem deixou o rio doce, que abastece a cidade, com o volume baixo.
nem uma gota!
quando o caminhão-pipa chegou, já no início da noite... a caixa-d’água é por aqui...
vocês devem estar trabalhando o dia todo...
estamos desde as seis horas da manhã para atender a demanda...
vocês não estão entregando água em todos os bairros?
...sem parar.
ele foi obrigado a levar a água para a casa de uma pessoa que o ameaçou com uma arma.
essa água tem dono...
...e sou eu!
em toda a cidade?
er... nesta região estamos trabalhando normalmente.
em algumas áreas a situação está perigosa. um amigo passou por um momento complicado...
foi muito tenso... que horror!
teve um colega que foi retirado à força do caminhão... com uma arma apontada também.
a pessoa sequestrou o caminhão-pipa e abasteceu a casa dela e a de outras pessoas do bairro.
er... quando o abastecimento vai voltar ao normal?
temos que torcer pra voltar a chover.
com a chuva, o rio fica cheio, e tudo volta ao normal.
já acabamos!
ah, sim! obrigado! vamos torcer para que isso aconteça.
já pensou se a gente ficasse mais dias sem água?
seria o caos...
era final de tarde e eu estava me preparando para o trabalho.
além de quadrinista, sou professor universitário e daria aulas no turno da noite.
enquanto me arrumava às pressas, a tv estava ligada num canal de notícias.
...muita lama...
confesso que, na pressa para chegar ao trabalho, não prestei muita atenção.
foram alguns fragmentos da notícia que eu consegui ouvir.
…Samarco…
quando parei por um instante, vi a imagem de um lugar com muita lama...
...mas não entendi o que tinha acontecido.
não pude ver mais nada porque já estava na hora de sair.
depois da aula, voltando de carona com amigos...
viram o que aconteceu em mariana?
uma barragem repleta de lama com rejeitos da mineração se rompeu...
...e devastou um distrito da cidade. inclusive tem pessoas desaparecidas.
a aula foi tão intensa que não tive tempo de ler as notícias no celular...
er... o que aconteceu?
estão dizendo que foi muita lama. um caos!
foi a primeira informação real que recebi sobre a tragédia.
estávamos perto do rio doce, que dá nome à universidade onde trabalho. o leito do rio passa ao lado dela.
a passagem do rio pelo campus é linda! várias vezes, nas horas de folga, eu sentava num determinado ponto para ficar admirando aquela paisagem.
naquele momento ainda não sabíamos que aquela lama que tinha se espalhado num lugar tão distante...
...estaria perto de nós em um curto espaço de tempo...
...falaram também que a lama pode ser tóxica.
...e iria mudar completamente a vida que tínhamos na cidade até então. que coisa...
não pode ser verdade... estamos tão longe.
deu no jornal que a lama do desastre em mariana vai chegar aqui na cidade em três dias.
o quê?
a lama vinha da barragem de fundão, que ficava no distrito de bento rodrigues, na cidade de mariana...
...a mais de 300 km de onde estávamos.
a barragem pertencia à mineradora samarco.* a lama era feita de rejeitos da extração do minério de ferro. falava-se em milhares de metros cúbicos de lama.
o distrito foi totalmente destruído.
várias pessoas estão desaparecidas.
lama, rejeitos, barragem... palavras que, a partir dali, fariam parte do nosso cotidiano.
* empresa que tinha como sócias as mineradoras vale e a bhp, de origem anglo-australiana...
...os rejeitos de minério de ferro afetaram o rio gualaxo, que é afluente do rio carmo...
falaram o nome da nossa cidade na tv, mãe!
vamos ficar sem água?
justo agora que ele tinha sido normalizado?
...que deságua no rio doce e abrange 32 municípios dos estados de minas gerais e espírito santo...
...e abastece cidades como governador valadares, colatina... valadares! nossa cidade!
dois dias depois do rompimento da barragem.
estão falando que o abastecimento de água vai ser interrompido. de novo?
de onde veio essa informação? pelo whatsapp? é de uma fonte confiável?
Copyright © 2025 Editora Nemo
Copyright © 2025 João Marcos Mendonça
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direção editorial
Arnaud Vin
editor responsável
Eduardo Soares
revisão
Eduardo Soares
projeto gráfico
João Marcos Mendonça
Diogo Droschi
letreiramento
Viviana Mara
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Mendonça, João Marcos
Doce amargo : um relato em quadrinhos do maior desastre ambiental do Brasil / João Marcos Mendonça ; [colorista Mariane Gusmão]. -- 1. ed. -- São Paulo : Nemo, 2025.
ISBN 978-85-8286-650-4
1. Barragens de rejeitos - Acidentes - Mariana (MG) 2. Desastres ambientais - Mariana (MG) 3. Impacto ambientalMinas Gerais (MG) 4. Indústria mineral - Acidentes - Mariana (MG) 5. Relatos pessoais 6. Tragédia ambiental - Histórias em quadrinhos I. Gusmão, Mariane. II. Título.
25-295715.0
CDD-741.5
Índices para catálogo sistemático: 1. Tragédia ambiental : Histórias em quadrinhos 741.5 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
São Paulo
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Em memória de Ireny Parreira, Jael Andrade, Bispo Filho, Sebastião Salgado e das vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro de Fundão.
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